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Como unir o útil ao agradável

Planejamento, dedicação e muita disciplina são fatores que podem determinar o sucesso na carreira de qualquer profissional, especialmente para aqueles que almejam chegar a posições de liderança. Estas habilidades, contudo, não são úteis apenas nas empresas, mas também para esportistas — mesmo os amadores. Essa relação é algo que alguns executivos conhecem perfeitamente. Driblando a falta de tempo do dia a dia corporativo, eles fazem questão de levar a rotina de corredor junto ao trabalho no alto escalão. Já os mais aficionados investem em variações extremas da prática, como ultramaratonas de montanha e o triátlon, e participam de competições até em outros países.

Aos 40 anos, Cícero Barreto, diretor comercial e de marketing da empresa de planos de saúde Omint, prefere chamar o esporte de “estilo de vida”. “Procuro aproximar minha agenda de corridas à de um esportista profissional”, diz. Ele começou a correr em 2005, incentivado por amigos do trabalho e pela esposa. Sua primeira prova foi patrocinada pela própria Omint, onde está há 18 anos. Com o tempo, passou a se dedicar às corridas de montanha, e desde 2009 é adepto das ultramaratonas desse tipo. São provas longas e em terrenos irregulares, que envolvem a subida e descida em grandes altitudes. Sua primeira foi o “Cruce de los Andes”, corrida com 100 quilômetros, que vai da Patagônia chilena à argentina, e que Barreto já correu três vezes.

Somente em 2013, o executivo participou de quatro provas, entre elas uma ultramaratona de 119 quilômetros na França, na costa sul do Mont Blanc. Foram 27 horas correndo, dia e noite. “De 1.500 corredores que largaram, chegaram 800. Ser um dos que terminaram a prova foi um momento de superação”, diz. Para ele, achar competições ao redor do mundo é uma forma de “unir o útil ao agradável” e passar as férias em um lugar “pitoresco”. Ele geralmente chega às cidades uma semana antes da prova para se preparar e depois recupera o peso perdido visitando restaurantes locais e se “hidratando bem”.

Para 2014, o grande objetivo já foi traçado: em agosto, vai voltar aos Alpes suíços e participar de outra prova no Mont Blanc, desta vez com ganho de altitude de mais de três mil metros e na companhia da esposa. Ambos já correram um “Cruce” juntos em 2012. “Foi muito bom para o casal. A prova é longa, então dá para discutir o relacionamento”, brinca. No fim de semana anterior à entrevista, ele e a esposa correram duas pequenas provas no interior de São Paulo, totalizando mais de 40 quilômetros, como treino para a competição na Europa. Ambos chegaram na segunda posição das suas categorias. Até suas filhas, de seis e quatro anos, viajam com eles às vezes para competições e já até correram uma prova infantil em Ilhabela.

No dia a dia, o executivo usa os treinos para fugir do trânsito entre Alphaville, onde mora, e a cidade de São Paulo, onde trabalha. Sai de casa às cinco da manhã e, usando uma academia como base, corre em ruas com ladeira do Morumbi como forma de preparação para as provas de montanha, para então chegar ao escritório às 8h30. Depois do expediente, ele aproveita para fazer musculação – e novamente fugir do horário de rush. “Uso o tempo que eu passaria no trânsito para fazer exercício”, diz. Por dia, são no mínimo duas horas e meia de práticas esportivas. Quando a agenda corporativa o impede de comparecer a algum treino, ele sempre procura repor com a ajuda do seu técnico de corrida.

Para Barreto, as provas de montanha são especialmente exigentes, pois demandam muita técnica e capacidade de gerenciar os recursos que você leva. “É preciso tomar decisões o tempo todo. É um aprendizado constante”, diz.  Ele vê as corridas tanto como forma de superar adversidades quanto uma maneira de manter a concentração no resto do dia. “A hora da corrida é quando, muitas vezes, tenho ideias importantes para solucionar problemas da vida pessoal e profissional”, diz.

Manter a cabeça no lugar também é uma das motivações de Breno Gomes, diretor de tecnologia da informação da seguradora Metlife. Ele não tinha costume de praticar esporte algum até os 30 anos, quando percebeu, por conta do peso e do estresse, que precisava cuidar da saúde. Foi quando comprou uma bicicleta e começou a correr nos fins de semana. Alguns anos depois, uma lesão o obrigou a incluir também a natação na rotina. Esta combinação o fez adotar o triátlon como esporte e participar de cinco edições da prova Ironman.

Gomes já praticou mountain bike, correu maratonas como a de Chicago, e viajou o mundo mergulhando. Hoje, aos 40 anos, seu novo esporte preferido é a corrida de montanha – em fevereiro, participou do Cruce de los Andes pela segunda vez. “Na rua, o esforço é físico, enquanto na montanha há toda uma técnica. É preciso repetir a prova para pegar o jeito”, diz.

Segundo ele, é essencial planejar o treinamento ao longo do ano e participar de provas menores. Gomes acorda às cinco da manhã para treinar seis vezes por semana. Corre no parque do Ibirapuera, em São Paulo, junto com um grupo, e usa a academia para praticar a natação. A bicicleta ele costuma pedalar na estrada, nos fins de semana. “O segredo é conseguir manter o treino com o trabalho e a família”, diz. O executivo tem duas filhas, uma de quatro e outra com menos de um ano.

O esporte foi a saída ideal para seu “estilo explosivo”, em especial para manter a cabeça mais arejada no trabalho que faz na área de tecnologia – onde os problemas a serem resolvidos são uma constante. “Eu provavelmente estaria morto se não praticasse nenhum esporte”, enfatiza. “É a hora de colocar as ideias no lugar e estabilizar o humor”, diz. Durante viagens a trabalho, ele faz questão de levar o tênis para correr na rua. “É gostoso até para conhecer as cidades”, diz. Nova York, por exemplo, é “uma delícia” para correr, já a Cidade do México foi uma experiência diferente. “Lá eles não têm a cultura de correr na rua”, diz.

Atualmente, Gomes está organizando o calendário de provas do segundo semestre e decidindo se vai focar mais o treinamento nas corridas de montanha ou no triátlon. Enquanto isso, há cerca de um ano, a MetLife começou a organizar grupos de corrida com funcionários que estão começando a se inserir no esporte. A empresa paga 50% da assessoria de corrida.

Para Willian Bull, consultor sênior do Instituto Pierón, há muitos paralelos entre a vida corporativa e as exigências que uma rotina de esportista traz como a disciplina e a perseverança que ambos demandam. Ele destaca, no entanto, uma diferença importante que pode ajudar a entender a visão de muitos corredores de que o esporte é uma forma de “fugir” do estresse do dia a dia. “Na atividade esportiva, quase tudo está sob seu controle. Você estabelece um grau de desafio e não depende de mais ninguém para alcançá-lo”, diz. Já no mundo dos negócios, as metas muitas vezes vêm de fora e, para cumpri-las, o profissional precisa da colaboração de outras pessoas. Além disso, não há no trabalho o mesmo tipo de feedback instantâneo que satisfaz tantos esportistas. “Na empresa, é muito mais difícil alcançar o estado de gratificação que no esporte se alcança muito rápido”, diz.

Presidente da siderúrgica Usiminas há cerca de dois anos, o argentino Julian Alberto Eguren sempre teve o esporte como parte da sua vida. Apesar de gostar de esportes coletivos, à medida que a rotina do trabalho ficou mais apertada, exigindo viagens constantes, adotou a corrida. Sua primeira maratona foi em 1997, mas desde então ele incorporou a natação e a bicicleta à rotina de exercícios. O executivo tenta treinar um dos esportes todos os dias pela manhã. “Preciso desse momento, é muito reconfortante”, diz.

A agenda que manda é a do trabalho, mas ele sempre aproveita para fazer provas quando tem a oportunidade. Enquanto dava entrevista, por exemplo, estava em Londres, e tinha participado alguns dias antes de uma corrida em Paris, na França.

Essa mistura não é nenhuma novidade para o executivo, que considera o esporte e o trabalho duas atividades com muita coisa em comum. “Decidir participar de uma prova é como começar um projeto em uma empresa. Você tem que se planejar, procurar recursos, ter uma metodologia, dedicação e indicadores para medir a performance necessária para atingir o objetivo”, explica.

São muitas as empresas que também têm essa percepção. Assim como Barreto, da Omint, Rosana Dias começou a correr por influência da companhia onde trabalhava. No começo dos anos 1990, ela participou de duas maratonas, em Nova York e Paris, pagas pela empresa onde atuava na época, o Grupo Pão de Açúcar. Desde então, já correu dez maratonas, quase todas no exterior. Hoje, como diretora de comunicações externas da Embraer, a executiva está focando as meias maratonas, das quais já participou de pelo menos 20 provas.

Suas férias acabaram virando um período para fazer “turismo de corrida”, com amigos ou com o marido. Desta forma, já visitou também Amsterdã, Chicago e Berlim. No segundo semestre, pretende participar de uma prova em Buenos Aires. “Ter uma corrida em mente na hora de treinar é uma forma de manter o desafio”, diz. Ela treina quatro vezes por semana, pela manhã, ao ar livre. “Começar o dia com o esporte me deixa mais disposta e motivada, além de ajudar no físico e na saúde”, ressalta.

Ultimamente, ela tem participado de provas em equipe e revezamentos, o que traz ainda outros aspectos para o jogo. “É um exercício de estratégia, no qual é fundamental adaptar o planejamento ao trabalho em equipe”, diz.


Fonte: Valor Econômico

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