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De volta ao futuro

Já vi muitas crises econômicas. Afinal, a Medimagem nasceu em agosto de 1986, época na qual o país ainda estava fortemente traumatizado pelos vinte anos da ditadura militar que havia se encerrado há um ano. Dias antes da posse o Presidente Tancredo Neves faleceu e assumiu seu vice, o já muito conhecido José Sarney. Seu mandato durou até março de 1990 e foi marcado por crises políticas, inflação elevada e muita agitação social. A moeda, que se chamava Cruzeiro, perdeu vários zeros e foi renomeada de Cruzado. Logo a inflação atingiu o alarmante índice de 235 % ao ano, com os preços e os salários sendo congelados. No inferno econômico que se instalou nada tinha consistência, nem sequer o nome da moeda, que logo mudou para Cruzado Novo. Ou seja, durante os cinco anos do governo Sarney o Brasil possuiu três moedas e uma inflação acumulada de mais de 1.000%!! Instalou-se o caos. Manter uma empresa médica era, na época, um suplício, pois só havia um cliente: o órgão governamental chamado INAMPS, que depois viria a receber o nome de SUS, o qual pagava valores irrisórios pelos exames, com atrasos de meses. A pobreza da população nordestina era enorme e poucas pessoas dispunham de recursos financeiros suficientes para assumir os custos de serviços médicos e hospitalares. 

Mas o pior ainda estava por vir: Sarney foi substituído por um louco chamado Collor, político desonesto, demagogo e exibicionista que em 1989 venceu a primeira eleição brasileira depois de 25 anos, e instalou um inferno maior que aquele que fora comandado por seu antecessor. Logo no primeiro dia de governo, Collor confiscou os depósitos bancários de todos os brasileiros, elevou impostos e criou mais uma moeda. Instalou-se, então, um tsunami moral, econômico e político. No dia seguinte ao maldito confisco estávamos sem uma só moeda nos cofres da Medimagem, não tendo como pagar salários, impostos, etc. Tivemos que assumir empréstimos bancários para continuar funcionando. Foi o período mais turbulento da história recente do país. Atingido por denúncias de corrupção partidas do próprio irmão o presidente foi deposto em setembro de 1992, quando a inflação chegava ao alarmante índice de 60% ao mês!! 

Aí então, depois da tragédia de sofrer nas mãos de dois presidentes mal intencionados, o Brasil passou a ser comandado por um vice presidente destrambelhado: Itamar Franco foi um autêntico trapalhão!! Ficando no cargo de dezembro de 1992 a janeiro de 1995 nada conseguiu fazer para mudar o curso da tragédia econômica na qual o país se encontrava, com a inflação atingindo alarmante índice de 80% ao mês. Nessa época a verdadeira moeda brasileira era o dólar e os salários dos nossos funcionários tinham que ser pagos a cada quinze dias, tamanho era o poder destrutivo da inflação. As placas de produtos nas lojas, os aluguéis de imóveis, os cardápios nos restaurantes e as tabelas de preços dos salões de beleza estampavam seus valores em dólares. Na Medimagem, que já tinha quase dez anos de existência e continuava sendo um empresa minúscula, chegar ao final do mês era um sufoco, pois a receita mal cobria os custos operacionais. Então, com o país em profunda e prolongada crise, foi lançado, em fevereiro de 1994, mais um plano econômico - o Plano Real - com o aparecimento de mais uma nova moeda: o Real. O Plano Real permitiu que o então ministro da fazenda, Fernando Henrique Cardoso, aproveitando-se da estupidez ingênua de Itamar Franco, se tornasse o homem mais poderoso do país. O Plano Real mostrou-se a ferramenta de estabilização econômica mais eficaz que o país já vira, enterrando uma moeda de vários nomes que havia acumulado, entre os anos de 1965 e 1994, a maior inflação que uma nação já havia conhecido em toda a história: 1.142.332.741.811.850% (1,1 quatrilhão por cento). Quando o Plano Real foi instituído precisávamos de 2.750 cruzados reais para comprar um dólar, e na Medimagem estávamos mais uma vez com várias prestações atrasadas, relativas à aquisição de dois equipamentos de ultrassonografia e de um mamógrafo. Continuávamos a ser uma empresa minúscula, atuando numa cidade muito carente. 

Mas, logo a equipe de economistas que idealizou e implantou o Plano Real adotou reformas estruturais que deram consistência à economia brasileira, destacando-se a privatização de vários setores estatais (acompanhada de muitas safadezas), a criação de agências reguladoras, a Lei da Responsabilidade Fiscal, a abertura comercial com o exterior, a manutenção do câmbio valorizado, etc. Estava aberto o caminho da eleição (e reeleição) do pai do Real para o cargo de presidente da república, no período de 1995 a 2003. Fernando Henrique Cardoso governou o Brasil por oito anos, consolidando a estabilidade dos preços, com aumento de juros, cortes de gastos públicos, incentivos a investidores e aprovação de investimentos estrangeiros no país. Foi um período de estabilidade e relativa previsibilidade para quem administrava instituições privadas. Iniciou-se, então, uma época de crescimento das nossas empresas. Nesse período criamos o Medplan, o Prontomed, a DMI e a Alô Farmácia. Uma nova etapa se instalou na economia brasileira, sendo possível elaborar planejamentos estratégicos e pela primeira vez experimentamos um ciclo de acumulação de ativos financeiras, permitindo novos investimentos. Mas o governo Fernando Henrique Cardoso foi conduzido sobre uma cultura política elitizante e concentradora, com muitas denúncias de corrupção nos processos de privatizações. No período final deste mandato presidencial uma turbulência eclodiu no mundo, levando o Brasil a mais uma grave crise econômica: o dólar disparou, nossos juros se tornaram muito elevados, o PIB per capita caiu, a desigualdade de renda aumentou e atingimos a maior taxa de desemprego do mundo! Na Medimagem e no Prontomed havíamos adquirido vários equipamentos médicos (ressonância magnética, tomógrafo, respiradores, etc) através de financiamentos internacionais, com prestações em dólares. E quase quebramos, pois não era possível acompanhar a vertiginosa desvalorização do real. Novamente estávamos enfrentando tempos difíceis. 

Aquela nova crise e as denúncias de corrupção abriram caminho para a eleição do primeiro governo de orientação socialista do país, sob o comando de Luiz Inácio da Silva, um habilidoso líder sindical dotado de espetacular capacidade de mimetismo político e de profunda senso intuitivo de mobilização popular. Ao contrário do que se esperava, o P. T. manteve a política econômica do governo anterior, permitindo um clima de confiança que possibilitou um bom acolhimento do novo governo pelos mercados internacionais. Mas o elemento principal do sucesso dos governos Lula foi o resultado de um enorme golpe da sorte: a China apareceu no mercado internacional, com uma fome insaciável por nossos produtos de exportação. E nos tornamos um país que viveu uma fantasia de progresso e de consumo durante os dez anos seguintes, com o PIB crescendo a níveis nunca visto, permitindo que os programas sociais implantados por Lula trouxessem para o consumo de massa um extenso contingente populacional até então excluído. Eram os milhões de membros das classes D e E migrando para as classes B e C. Foi a época de ouro das nossas empresas: entre 2003 e 2011 criamos a Biolav, o Prontomed Infantil, a Nova Engenharia, a Biomax e construímos os Hospitais São Pedro, Santa Maria e Vitoria de Timon. A população de clientes da Humana e do Medplan, que há 12 anos não passava de 40 mil clientes, atingiu o incrível número de 106 mil beneficiários. 

Mas, agora o cenário mudou novamente e de maneira súbita, ocorrendo uma rápida e séria degradação dos nossos indicadores econômicos, com elevação da inflação, da taxa de câmbio, dos juros e da dívida pública. A reboque dessa realidade vieram uma explosão do desemprego e da inadimplência, que estão piorando cada vez mais, num fenômeno de profecia auto realizada que só acentua a perda da confiança no futuro do país. O ajuste econômico que está sendo tentando continua sofrendo uma ação suicida a partir dos atores políticos e sindicais, que insistem em colocar mais combustível na enorme fogueira na qual o país já se encontra. E, para complicar a gravidade do cenário local, os chineses pararam de comprar nossos produtos. 

Agora tudo aponta para a perda do nosso grau de investimento, o que vai implicar em maior desvalorização do real e elevação mais intensa das taxas de juros, implicando em outro ciclo de desaquecimento das atividades industrial e de serviços, gerando mais desemprego, tornando nossa economia cada vez mais anêmica. 

Nesse cenário, só nos resta evitar tornar pior o que já está ruim, torcendo para que a insanidade geral não nos conduza a um processo de impeachement da presidente Dilma, o que nos mergulhará de vez nas fogueiras do inferno, numa reedição piorada das décadas perdidas de 1980 e 1990. 

Há quarenta anos ouço dizerem que o Brasil é o país do futuro. E o futuro termina sempre por se mostrar nada mais que uma melancólica repetição do passado. Apertem, pois, os cintos: estamos de volta ao futuro!!

José Cerqueira Dantas, médico. 

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