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A internet está prestes a morrer. A causa: a popularidade dos apps

A web — esse fino verniz de design computacional que é compreensível para o ser humano e que forma a camada mais superficial da complexa comunicação mecânica que constitui a internet — está morrendo. E a maneira como ela está morrendo tem implicações mais amplas do que quase qualquer outra coisa na tecnologia atual. Pense no seu telefone celular. Todos esses “chicletinhos” na tela são aplicativos, não websites, e funcionam de uma maneira fundamentalmente diferente da forma como a web funciona.

Montanhas de dados nos dizem que, no total, o tempo gasto com os apps é o tempo que antes passávamos navegando na web. Estamos apaixonados pelos apps, e eles assumiram o controle. Nos smartphones, 86% do nosso tempo é gasto em apps e apenas 14% na web, de acordo com a Flurry, firma de pesquisa analítica de dispositivos móveis.

Isso pode parecer uma mudança trivial. Nos velhos tempos, tínhamos que imprimir os mapas e orientações do site MapQuest, que muitas vezes estavam erradas ou confusas. Hoje temos oWaze no celular, que nos orienta para evitar o tráfego, em tempo real. Para quem se lembra de como as coisas eram antigamente, é um milagre.

Tudo que se refere aos aplicativos dá a sensação de beneficiar o usuário — eles são mais rápidos e fáceis de usar do que o que havia antes. Mas por trás de toda essa conveniência, há algo sinistro: o fim da natureza aberta que permitiu que algumas empresas de internet crescessem até se tornarem algumas das companhias mais poderosas ou importantes do século 21.

Pense na atividade mais essencial para o comércio eletrônico: aceitar cartões de crédito. Quando a Amazon.com estreou na web, tinha que pagar alguns pontos percentuais de taxa sobre cada transação. Mas a Apple fica com 30% de todas as transações realizadas por meio de um app vendido em sua loja de aplicativos. E “muito poucas empresas no mundo podem suportar essa dedução”, diz Chris Dixon, investidor de risco da firma Andreessen Horowitz.

As lojas de aplicativos, que são vinculadas a determinados dispositivos e sistemas operacionais, são “jardins murados” onde a Apple, Google, Microsoft e Amazon definem as regras. Por algum tempo, isso significou a Apple banindo a bitcoin, uma moeda alternativa que, de acordo com muitos tecnólogos, é a novidade mais revolucionária na internet desde o hiperlink. A Apple regularmente proíbe aplicativos que vão contra suas posições políticas, seus gostos ou que possam competir com seus próprios softwares e serviços.

Mas o problema com os aplicativos é muito mais sério do que a maneira como podem ser controlados por guardiões centralizados. A web foi inventada por acadêmicos cujo objetivo era compartilhar informações. Tim Berners-Lee estava apenas tentando facilitar para os cientistas o intercâmbio dos dados que estavam obtendo durante a construção do CERN, o maior acelerador de partículas do mundo.

Nenhum dos envolvidos sabia que eles estavam dando à luz ao maior criador e destruidor de riquezas que jamais foi visto. Assim, ao contrário do que aconteceu com as lojas de aplicativos, não havia motivação nenhuma para controlar a web em seus estágios iniciais. Surgiram organismos de padronização — semelhantes às Organizações das Nações Unidas, mas visando as linguagens de programação.

Empresas que gostariam de varrer as rivais do mapa foram obrigadas, pela própria natureza da web, a se unirem e chegarem a um acordo sobre as linguagens de programação comuns para páginas da web.

O resultado: qualquer pessoa podia colocar no ar uma página da web ou lançar um novo serviço e qualquer pessoa podia ter acesso a eles. O Google nasceu numa garagem. O Facebook nasceu no dormitório estudantil de Mark Zuckerberg.

Mas as lojas de aplicativos não funcionam assim. Hoje, são as listas dos aplicativos mais baixados que motivam o consumidor a adotá-los. A pesquisa nas lojas de aplicativos fracassou.

A web é constituída por links, mas os aplicativos não têm um equivalente funcional. O Facebook e o Google estão tentando corrigir isso criando um padrão chamado “deep linking”, mas existem barreiras técnicas fundamentais que impedem os aplicativos de se comportarem como sites.

O objetivo inicial da web era expor as informações. Era tão dedicada a compartilhar, acima de qualquer outra coisa, que não incluiu nenhuma forma de pagar pelas coisas — decisão de que alguns dos seus primeiros arquitetos se arrependem até hoje, já que obrigou a web a depender da publicidade para sobreviver.

A web não era perfeita, mas criou um terreno comum onde as pessoas podiam trocar informações e bens. Ela obrigou as empresas a construir tecnologias projetadas explicitamente para serem compatíveis com as tecnologias dos concorrentes. O navegador da Microsoft tinha que mostrar, fielmente, o site da Apple. Do contrário, o consumidor usaria outro navegador, como o Firefox ou Google Chrome, que desde então passou a dominar a cena.

O processo de criação de novos padrões para a web desacelerou até praticamente parar. Enquanto isso, as empresas que têm lojas de aplicativos estão se dedicando a torná-las melhores do que as lojas de apps dos concorrentes — e totalmente incompatíveis com elas.

“Em muitos processos tecnológicos, quando as coisas declinam um pouquinho, a maneira como o mundo reage é, em geral, acelerar esse declínio”, diz Dixon. “Se você visitar qualquer firma de internet, seja uma novata ou grande empresa, elas têm grandes equipes concentradas em criar aplicativos próprios de altíssima qualidade e tendem, comparativamente, a não dar tanta prioridade à internet para dispositivos móveis.”

Muitos observadores da indústria acham que tudo bem. Ben Thompson, analista independente de tecnologia e dispositivos móveis, me disse que vê o predomínio dos aplicativos como o “estado natural” do software.

Com tristeza, tenho que concordar. A história da computação é a história de empresas tentando usar seu poder de mercado para excluir os concorrentes, mesmo quando isso é ruim para a inovação e para o consumidor.

Isso não significa que a web vai desaparecer. O Facebook e o Google continuam dependendo dela para fornecer um fluxo de conteúdos que possam ser acessados a partir dos seus próprios apps. Mas mesmo a web dos documentos e das notícias pode acabar desaparecendo. O Facebook anunciou planos para abrigar publicações dentro do seu próprio site, o que deixaria a web como nada mais que uma curiosidade, uma relíquia frequentada apenas como hobby.

Não é que os reis do mundo dos apps queiram sufocar a inovação por si só.

Acontece que nessa transição para um mundo em que os serviços são prestados por meio de aplicativos, não mais pela web, estamos gradualmente passando para um sistema que torna a inovação, o acaso e a experimentação muito mais difíceis para os que desenvolvem coisas que dependem da internet. E, hoje, esta categoria abrange praticamente todo mundo.

Fonte: WSJ/ Por Christopher Mims

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