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Um mundo de bilhões é inevitável, mas a catástrofe talvez não seja

Temos aqui dois livros com títulos quase idênticos sobre o mesmo assunto: as consequências de a população mundial chegar a 10 bilhões de pessoas. Mas não poderiam ser mais diferentes em estilo, humor e conteúdo.Stephen Emmott, diretor de ciências da computação na Microsoft Research, escreveu uma dura, simples e breve advertência sobre a catástrofe a caminho, que ele acredita inevitável, decorrente da superpopulação humana e da exploração excessiva dos recursos naturais do mundo. Suas palavras finais - extraídas da resposta de um jovem colega pesquisador à indagação sobre o que ele faria para enfrentar a situação atual -, resumem o sombrio pessimismo do livro: \"Ensinaria meu filho a usar uma arma\".
Em contraste, Danny Dorling, professor de geografia na Universidade de Sheffield, é só otimismo. Seu \"Population 10 Billion\" passeia lenta e otimistamente por diversas veredas demográficas, mostrando as maneiras como os seres humanos podem superar os perigos previstos pelos pessimistas.
Em 2011, a população mundial ultrapassou os 7 bilhões de seres humanos, de acordo com a estimativa oficial das Nações Unidas. As projeções mais recentes mostram que a Terra chegará a ter 9,55 bilhões em 2050 e 10,85 bilhões em 2100, com base em uma hipótese de fertilidade média. 
Emmott aceita sem discussão que haverá pelo menos 10 bilhões de pessoas na Terra em algum momento mais perto do fim deste século. Dorling, apesar do título de seu livro, discorda. \"Quanto mais examinei essa questão, mais pude perceber que são os mais preocupados os que mais escrevem sobre população\", diz. 
\"Talvez isso seja natural, mas existe muito pouca opinião que contradiga a opinião contraposta à tese dominante de que a população é um problema e que as taxas de crescimento estão muito elevadas.\"
Dorling apresenta algumas análises demográficas sofisticadas para argumentar que as taxas de crescimento populacional em todo o mundo, já em declínio, cairão mais rapidamente do que faz supor o modelo de fertilidade média da ONU. 
Na verdade, ele sugere que os especialistas em população da ONU elevaram os números de suas previsões recentes, \"pois tornou-se mais politicamente conveniente aumentá-los, para parecerem uma advertência de que o número de pessoas pode estar ficando fora de controle\", embora não apresentem nenhuma evidência em apoio dessa alegação.
O modelo de baixa fertilidade da ONU, que tem recebido muito menos publicidade, prevê que a população atingirá um pico de 8,34 bilhões de pessoas por volta de 2050 e cairá para 6,75 bilhões em 2100. \"O fato de que a primeira queda populacional sem a ocorrência de um desastre está chegando é tão próximo quanto possível de uma certeza demográfica\", escreve Dorling. O tamanho médio de uma família em todo o mundo nunca foi tão pequeno e está caindo rapidamente. Hoje, em mais da metade dos povos do planeta, é normal haver menos de dois filhos por mulher.
Uma questão interrelacionada é a imigração e o movimento de pessoas ao redor do mundo. Emmott prevê que os países ricos chegarão a se assemelhar a fortalezas, com controles militarizados em suas fronteiras para impedir a entrada de milhões de pessoas \"errantes, porque seus países não são mais habitáveis ou não têm água ou comida suficientes, ou são palco de conflitos em torno de recursos naturais cada vez mais escassos\".
Dorling vê um mundo de fronteiras cada vez mais porosas, em que controles sobre a imigração vão desaparecendo gradualmente e países ricos com baixas taxas de fertilidade e populações cada vez menores acolherão os emigrantes de regiões menos favorecidas. 

\"Por toda parte, atribui-se à imigração a culpa por problemas, mas, simultaneamente, quase sempre é vista como prenúncio de uma solução\", observa. Dorling também afirma que essas migrações são boas para abrandar o crescimento da população mundial, porque as pessoas que se deslocam para os países ricos têm, em média, menos filhos do que se tivessem permanecido em seus lugares de origem; essas pessoas logo adotam as taxas de fertilidade dos lugares para onde migram.
Evidentemente, a população total é relevante para a saúde do planeta e de seus habitantes, mas o que as pessoas fazem - quanto e o que consomem, e como tratam a Terra - é mais importante. O planeta poderia ser capaz de sustentar, digamos, 10 bilhões de humanos com sábia moderação, ao passo que 5 bilhões praticando um estilo de vida ocidental moderno colocariam o planeta além de sua capacidade de suportar excessos no longo prazo.
Dorling constata, com alguns indicadores importantes, que a avidez humana e os impactos ambientais começaram a refluir, após décadas de excessos. No Reino Unido, o consumo total de matérias-primas atingiu um pico em 2001, o uso de água para uso doméstico atingiu um máximo em 2003 e os agricultores vêm usando menos fertilizantes desde 1980. O mundo desenvolvido \"pode ter virado a esquina rumo a uma economia de menor consumo\", enquanto se tornava mais rico e mais populoso.
Para Emmott, tudo continua piorando. Ele escreve sobre os insumos de energia, água e matérias-primas necessários para fabricar e transportar os confortos da vida moderna. Os números referentes ao \"consumo oculto\" de água são impressionantes. Por exemplo, são necessários 3 mil litros de água para produzir um hambúrguer de carne, 9 mil litros para produzir uma galinha e 27 mil para produzir um quilo de chocolate.
\"Isso certamente deveria ser algo para pensarmos enquanto, encolhidos em nossos pijamas no sofá, comemos um chocolate\", diz. \"Mas tenho más notícias sobre pijamas, porque receio que um pijama de algodão necessite de 9 mil litros de água para ser produzido.\" Esse trecho exemplifica o estilo coloquial de Emmott. O livro baseia-se muito de perto em seu \"Ten Billionshow\", apresentado no Royal Court Theatre, em Londres, no verão passado, recebido como um sucesso de crítica e público.
Não acredito que Emmott seja tão pessimista quanto parece no palco ou em seu texto. Se realmente acreditasse ser tarde demais, não teria dedicado tanto tempo e energia para tentar mudar percepções e comportamentos das pessoas. Sua mensagem é, em última instância, que ciência e tecnologia não podem evitar uma catástrofe mundial, mas ações sociais e políticas radicais - ações reais, e não gestos simbólicos - talvez possam.
Para um discordante Dorling, Emmott \"é a personificação do pessimismo irado\". Mas Dorling revela-se na mesma medida determinado a manter distância dos \"otimistas racionais\", como o escritor científico Matt Ridley, de cuja atitude ele faz uma caricatura, dizendo ser possível resumi-la em \"a avidez prevalecerá\". 
Dorling sente, evidentemente, a necessidade de um rótulo, e descreve-se como um \"possibilista prático\", nos moldes de Hans Rosling, professor sueco de saúde e desenvolvimento internacionais.\"Encarando-se de certa forma, exprimindo-se com um certo tipo de história em mente, é possível pintar um cenário com um final mais róseo, menos otimistamente combativo e menos pessimistamente catastrófico do que muitos supõem\", escreve Dorling. \"Esse é o quadro pintado por um possibilista prático.\"
Mas os dois livros com \"10 Billion\" nos títulos, de seus modos muito distintos, são uma contribuição valiosa para reacender a pendular discussão sobre a população mundial travada nos dois séculos desde que Thomas Robert Malthus originalmente trouxe a questão à atenção do público. Mais cientistas deveriam emular Emmott e Dorling, e mergulhar no debate.
\"Ten Billion\"
Stephen Emmott. Editora: Vintage. 224 págs., R$ 8,98
 
\"Population 10 Billion\"
Danny Dorling. Editora: Constable. 448 págs., US$ 6,02
Fonte: Financial Times
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