post image

Medo da microcefalia faz grávidas repetirem exames sem necessidade

"Doutor, e a cabeça?" Com o surto de microcefalia que atinge o Nordeste, essa tem sido a primeira pergunta das gestantes quando chegam para os ultrassons de rotina. O pânico de que o bebê desenvolva a má-formação do cérebro que pode trazer sequelas graves ao desenvolvimento tem levado grávidas com planos de saúde a repetirem exames sem necessidade e até pedirem ao obstetra a antecipação do parto. Neste sábado (28), o Ministério da Saúde confirmou a relação da microcefalia com o vírus zika, transmitido pelo Aedes aegypti, o mesmo da dengue. O país soma 739 casos da má formação neste ano (contra uma média de cem em anos anteriores). Em Salvador (BA), Luana, 32 anos e na 27ª semana de gestação, conta que fez três ultrassons só neste mês para se certificar de que o bebê está bem. "Minha médica é contra, mas estou em pânico."

Segundo a obstetra e ultrassonografista Denise Matias, há pacientes agendando ultrassons só para medir a cabeça do feto, já que a microcefalia tem sido associada ao crânio menor que 33 cm. "Há muita desinformação. As pessoas acham que toda cabeça inferior a 33 cm pode ser microcefalia, mas essa medida é para um bebê que nasce a termo. Prematuros, claro, têm um crânio menor."

O ginecologista Sergio Matos, também ultrassonografista e especialista em medicina fetal, vive situação semelhante. "Todas só querem saber o tamanho da cabeça."

Talita França, 32, relata que não para de pensar nos casos de microcefalia. Grávida de 22 semanas, ela só anda de calça comprida, camisas de manga longa e com muito repelente no corpo. Na última terça, ao fazer o ultrassom morfológico, chorou ao ouvir da médica que estava tudo bem. "Estou aliviada, mas não despreocupada. Até o final da gestação vai ser essa tortura." Luciane Brito, 38, vive angústia semelhante. "Não estou dormindo direito. Liguei para a minha médica pedindo para antecipar o parto. Estou na 37ª semana, acho que está bom, mas ela discorda." Catarina Menezes, 33, grávida de oito semanas, esperava, aflita, o seu primeiro ultrassom. "Se eu soubesse desse zika, não engravidaria agora. Na TV, eles dizem: 'Evitem engravidar, evitem o Nordeste'. E o que fazemos, nós, grávidas que vivemos aqui?"

MICROCEFALIA

Obstetras da capital baiana relatam à Folha terem 59 casos de gestantes que esperam bebês com microcefalia. Boletim da Secretaria Municipal da Saúde de Salvador diz que a capital tem 28 casos de bebês nascidos com a má-formação. Já o Estado só reconhece 13 casos e afirma que há 30 para investigar.

Conversamos com dez gestantes, entre 18 e 33 anos, cujos bebês já têm diagnóstico de microcefalia. Elas aguardavam atendimento no hospital Roberto Santos, referência em medicina fetal. Todas haviam tido sintomas da infecção por zika vírus (como manchas avermelhadas) no início da gestação. O clima era de tristeza e de revolta com a falta de informação e de assistência.

"O médico lá na minha cidade [Rui Barbosa, 321 km de Salvador] disse: 'Teu bebê vai nascer e morrer, ou vai ficar vegetal'. Fiquei sem chão", disse Vanessa Araújo, 22, na 39ª semana de gestação, que aguardava consulta havia seis horas, após uma viagem de cinco horas de ônibus.

"O que vamos fazer quando eles nascerem? Cadê a ajuda de que eles vão precisar?", questionava Drielle Oliveira, 25, na 38ª semana de gestação. Ela montou um grupo de conversa no WhatsApp que reúne 11 grávidas que esperam bebês com microcefalia.

LABORATÓRIO

A Bahia vive neste ano uma tríplice epidemia de dengue, chikungunya e zika, os três vírus transmitidos pelo mosquito Aedes aegypti. Para epidemiologistas, a situação pode se repetir em outras regiões —já que o mosquito circula em todo o país.

A Secretaria de Estado da Saúde da Bahia tem inovado em tentativas para conter o mosquito. Está testando, por exemplo, uma tinta de parede que funciona como repelente e criando um "Waze" do mosquito, um aplicativo em que os moradores poderão indicar onde há focos do transmissor e se contraíram doenças transmitidas por ele.

"Ninguém mais quer saber de virar lata [que serve de criadouro do mosquito]. Precisamos de tecnologia que envolva a população para dar celeridade ao combate do aedes", diz o infectologista Roberto Badaró, subsecretário da Saúde da Bahia.

Na área de diagnóstico, o governo desenvolveu um aplicativo para ajudar médicos a diferenciar casos de dengue, chikungunya e zika e também está adquirindo testes rápidos para dengue que podem ser "lidos" pelo smartphone do médico.

Embora a dengue responda por 1,5 milhão de casos no país, com 811 mortes, é a infecção pelo zika que tem feito mais barulho na Bahia pela rapidez com que se alastrou e pelas doenças que vêm sendo associadas a ela. Desde abril, quando foi registrado pela primeira vez, o zika se espalhou para 284 municípios baianos (68%) e responde hoje por 62.635 casos. Em seguida, vêm a dengue, com 49.592 casos, e o chikungunya, com 19.231. Entre maio e julho, o zika fez 64 vítimas de uma síndrome paralisante (Guillain-Barré). Uma morreu.

Só o Hospital do Subúrbio, em Salvador, atendeu 40 pessoas que precisaram de internação, algumas delas na UTI. O volume inesperado causou preocupação na instituição pelo custo do tratamento com imunoglobulina, que chega a R$ 40 mil por pessoa.

"Houve até quem desconfiasse de que havia um excesso de diagnóstico",afirma Bruno Bacelar, chefe da neurologia do hospital.

Agora, o zika protagoniza uma nova preocupação na família: a microcefalia. A filha de Oliveira, Lavinia, 16, foi infectada pelo vírus e está grávida de 22 semanas. 


Governo confirma relação entre zika vírus e microcefalia

O Ministério da Saúde informou neste sábado (28) que há relação entre o surto de microcefalia no Nordeste e o zika vírus, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti. A constatação do governo tem como base o resultado de exames realizados em um bebê nascido no Ceará pelo Instituto Evandro Chagas, órgão do ministério em Belém (PA). De acordo com o ministério, em amostras de sangue e tecidos do bebê, que nasceu com microcefalia e outras malformações congênitas, foi identificada a presença do vírus.

"A partir desse achado do bebê que veio à óbito, o Ministério da Saúde considera confirmada a relação entre o vírus e a ocorrência de microcefalia", diz a Saúde em nota. "Essa é uma situação inédita na pesquisa científica mundial."

O governo diz também que a análise inicial indica que o risco para a gestante está associado aos primeiros três meses de gravidez. Destaca, no entanto, que ainda são necessárias investigações para confirmar o período de maior vulnerabilidade para a gestante e esclarecer outras questões, como a transmissão do vírus, sua atuação no organismo e a infecção do feto.

image

OUTRA MORTE

O Instituto Evandro Chagas também informou ao ministério nesta sexta-feira (27) dois casos de mortes relacionadas ao vírus. O primeiro caso foi de um homem com histórico de lúpus e de uso crônico de medicamentos corticoides, morador de São Luís (Maranhão). O segundo caso, de uma menina de 16 anos de Benevides (Pará), que morreu no final de outubro.

"As análises indicam que esse agente pode ter contribuído para agravamento dos casos e óbitos. Esta é a primeira ligação de morte relacionada ao vírus zika no mundo, o que demonstra uma semelhança com a dengue", diz o ministério. 

Em relação ao homem, a suspeita inicial era de dengue. Os exames, no entanto, deram resultado negativo para essa doença e mostraram o genoma do zika no sangue e vísceras da vítima. A dengue também foi a primeira suspeita no caso da mulher, que apresentou dor de cabeça, náuseas e pontos vermelhos na pele e nas mucosas. Os testes sanguíneos confirmaram a presença do zika.

"O Ministério da Saúde está se aprofundando na análise dos casos, além de acompanhar outras análises que vem sendo conduzidas pelos seus órgãos de pesquisa e análise laboratorial. O protocolo inicial para o atendimento de possível agravamento da zika será o mesmo utilizado para situações mais graves de dengue."

MOSQUITO

Estão em situação de risco de surto de dengue, chikungunya e zika 199 municípios brasileiros, segundo o último levantamento do governo. Segundo o ministério, a Presidência da República determinou a convocação de um grupo que reunirá 17 ministérios para formular um plano nacional do combate ao mosquito transmissor dessas doenças.

"Além disso, [o governo] mantém contato com as secretarias estaduais e municipais para articular uma resposta conjunta e, em especial, a mobilizar ações contra o mosquito." O governo diz ainda que intensificou o acompanhamento da situação e que divulgará orientações para rede pública e para a população, conforme os resultados das investigações.

"Também estão sendo estimuladas pesquisas para o diagnóstico da doença e frentes de mobilização em regiões mais críticas. Não faltarão recursos financeiros para suporte às ações", diz o ministério. "As medidas envolvem, finalmente, ações de comunicação e suporte assistencial, como pré-natal, atenção psicossocial, fisioterapia, exames de suporte e estímulo precoce dos bebês." 

Notícias completa em Folha AQUI e AQUI
Enviada por JC

Compartilhar

Permito o uso de cookies para: